terça-feira, 4 de março de 2014

O QUE QUER UMA MULHER?

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sábado, 1 de março de 2014 11:14

O QUE QUER UMA MULHER?

Artigo especial do Caderno Especial do Dia da Mulher:
A questão das especificidades do feminino constitui o ponto de partida da psicanalise e também um ponto de constante retorno à Freud. A construção da sua teoria foi motivada pela curiosidade em relação ao feminino e suas consequências no âmbito amoroso. Foi duramente criticado por homens e mulheres da época, mas mesmo assim o enigma que tentou resolver continua muito atual: "O que quer uma mulher?"
A partir desta pergunta uma teoria foi desenvolvida e assentada nas questões fálicas, ou seja, no modo como cada um, masculino e feminino se colocam frente à vida afetiva.
Poderíamos esperar da psicanalise então, uma definição da feminilidade, mas como Freud propõe, é uma tarefa impossível. Conseguiu conceber uma teoria onde investigou como uma criança torna-se uma mulher. Essa pergunta freudiana nos remete a pensar no quanto esse tema é complexo e sempre trouxe muitas questões para os homens. Lembrando que a figura feminina já esteve associada à imagem de figuras perigosas, a bruxa, a feiticeira, os demônios. Figuras estas concebidas por homens para definir uma mulher sedutora, inatingível, enigmática, portanto extremamente perigosa. Considerando o lado primitivo que nos habita, não podemos deixar de lado os dramas humanos mais comuns como o destino e as escolhas. Estes destinos nos remetem as tragédias gregas onde encontramos os mais belos e terríveis exemplares femininos, onde as pulsões violentas comandam a intensidade amorosa. Mulheres terríveis: Medéia, que amava demais. Clitemnestra, mulher que amava de menos, mata seu marido e toma dele o trono. Helena de Tróia, que com suas escolhas provoca uma guerra de dez anos entre dois reinos poderosos.
Mais atuais algumas figuras da literatura são também muito interessantes, mesmo que enlou-quecidas porque tentavam de uma forma ou de outra encontrar sentido para o medo do vazio sem fim. Mulheres infelizes que estavam presas a um marido provedor, gentil e insosso. Exemplo clássico apresentado por Flaubert com sua Madame Bovary. Bovary representa bem quando o amor é um vício. As mulheres atuais conseguem expressar seu desejo de forma mais eficaz. Com as manifestações do desejo feminino de forma mais aberta sem ser dissimulado em sintomas no corpo, os homens questionam sua posição e por vezes se sentem insuficientes como filhos e maridos. Madame Bovary apresenta outros homens desejáveis além do marido, mas não menos medíocres. Talvez para tentar entender o que é incompreensível que os homens falam pela via do humor da insatisfação feminina, eles dizem que elas não sabem o que querem. Mas então, a pergunta clássica masculina é extremamente atual. Freud sugeriu perguntar aos poetas sobre essa questão. Pensou que talvez eles pudessem conceber melhor uma resposta. Sim, através dos tempos os poetas cada um a seu modo, tentam decifrar os enigmas femininos, escrevendo e cantando suas interpretações da mesma forma que o homem lá de casa que de vez em quando flerta com o perigo me homenageando com a música "muiezinha incomo-dativa", mas me chama para dançar. Nesta letra bastante fálica ele canta junto com o cantor Mano Lima, que "muiezinha incomo-dativa igual a minha ninguém tem". Ilusão sua, não sou a única incomodativa, cada homem um dia, em algum momento pensa assim da sua mulher. Ou, não conseguindo expressar, fala da mulher do amigo: essa sim incomoda muito...
Deixando pra lá os clichês na letra desta música, ficamos com a afirmação: as mulheres "incomodam" sim. Não são mais submissas, infelizes e exploradas. São bem sucedidas em vários âmbitos da vida e se não são, saem em busca dos seus sonhos. Hoje em dia não é mais tão normal assim que o homem seja o provedor da família.
Mas o que mais marca o feminino na atualidade é a independência psíquica.
É bom que as fronteiras entre o feminino e masculino ainda existam, pois a diferença torna a erótica mais interessante. Cada um a seu modo se apresenta no processo civilizatório tornando a diferença como um ganho, não como uma perda. A questão que podemos levar em conta é que deixando de lado as diferenças de gênero, se você tem uma vida interessante se torna interessante aos olhos do outro. Uma mulher sempre vai preferir ir à luta, mesmo que isso lhe custe uma unha. Nossa fome de ação é muito bem definida por Luis Fernando Verissimo na crônica. Em Algum Lugar do Paraíso, onde ilustra de forma bem humorada a clássica história da criação:"feliz mesmo era o Adão, o primeiro homem. Adão, sozinho no Paraíso, era um homem feliz porque era um homem sem datas. Mas quando Deus colocou Eva ao lado de Adão, a primeira coisa que ela perguntou, ainda úmida da criação, só para puxar assunto, foi: "Que dia é hoje?", e ele sentiu que sua paz terminara. Ele era um homem no tempo[...] O tempo não foi a única novidade trazida por Eva ao jardim do Paraíso. Foi ela que, dias depois, colheu o fruto proibido, que os tornou, de uma só mordida, sexuais e mortais[...]depois de ganhar uma mulher e descobrir o tempo e sua mortalidade, Adão descobriu seu próprio corpo."
Tirando de cena a discussão batida da diferença entre os cérebros masculino e feminino, também não queremos um homem submisso, infantil ou menos poderoso ao nosso olhar. Queremos os homens assumindo sua posição masculina e também não queremos ser iguais no sentido mais concreto.Queremos continuar femininas, delicadas, fortes. Temos uma necessidade muito grande de ação, de falar, e de sentir. Somos um pouco masoquistas, megalomaníacas, e sentimos uma culpa infernal de não sermos suficientemente boas, mas movimentamos o mundo e nos posicionamos cada vez mais, fazendo a nossa parte para a construção da nossa realidade. Feliz Dia da Mulher.
Por: Tereza Guberovich - Psicóloga na Clinica Hermann
tereza.tereza13@gmail.com

sábado, 29 de junho de 2013

De onde vem o discurso homofóbico?


De onde vem o discurso homofóbico

Artigo da Psicóloga Tereza Guberovich.

Os últimos acontecimentos diante da votação de uma proposta feita por um deputado federal de "cura da homossexualidade" motivaram este artigo. O argumento é de promover a igualdade entre as pessoas. Um tema recorrente que ao longo dos tempos ressurge com uma certa característica, a pretensão de ser uma solução definitiva para algo que é considerado problema: a homossexualidade.
O discurso homofóbico calcado no ideal de hete-rossexulidade como norma, promove a estigmati-zação do sujeito a partir de critérios comportamentais, onde qualquer referencia ao desejo e à subjetividade é excluída. Esse tipo de argumento nos convoca a reafirmar como válido o discurso da psicanálise como um discurso calcado na ética do desejo, ou seja, retirando a escolha amorosa da via do normal e do patológico que se difunde pelo imaginário social. Pois esse tipo de proposta do deputado, parte da ideia de que existe a necessidade de haver a complementaridade dos sexos.
O argumento é sempre o mesmo ao longo do tempo, como defendeu um pastor candidato a vereador no Rio de Janeiro em 2010: a luta é "em favor da família e preservação da espécie humana. Deus fez o macho e a fêmea". Mas o exemplo que considero mais grave é o dos denominados "Psicólogos de Cristo" que agindo contra o código de ética profissional fazem a mistura de ciência e religião de forma infeliz produzindo um discurso de cura. Se retomarmos a história, iremos descobrir que foi a partir de um determinado tempo que a questão da escolha amorosa passou a ter uma importância diferenciada, anteriormente a ideia de casamento como a centralizadora do amor, sexo e procriação não existia a preocupação com a homossexualidade. Ou seja, foi por volta do século XII, que o pensamento católico passou a se interessar pela questão da sexualidade. E o que era considerado uma forma de amor passou com o pensamento cristão que unia ciência, religião e política a ser considerado um vício satânico pela igreja, e no século XIX pela psiquiatria foi considerada perversão. Nesse cenário onde a igreja mantinha a posição de existirem fronteiras entre o natural e o anti-natural e punia quem transgredisse, e onde a ciência procurava discernir o normal do patológico, era deixado de lado qualquer concepção de psiquismo e escolha amorosa do sujeito. Freud subverteu a concepção de sexualidade humana ao marcar um discurso distinto da moral social com o conceito de pulsão, rompendo com o discurso biologizante da ciência na questão da escolha homossexual.
Freud considerou que escolha objetal em relação ao sexo desenvolve-se a partir do sujeito do inconsciente, valorizando a pulsão em detrimento do discurso contaminado pela moral sexual religiosa e pelo discurso medico curativo que julga e estigmatiza. Interessante pensar porque esse tema sempre retorna com discurso da cura, não deixa de ser uma tentativa de controle ou demonstração de poder onde alguns teriam essa habilidade de diagnosticar, ou seja, julgar e curar o que é considerado uma doença. Então esse discurso nunca desapareceu. Podemos pensar nos motivos que fazem seu retorno: causar medo e horror. Sim, estarmos vivendo outras épocas que não aquelas onde a liberdade de expressão da sexualidade não existia, onde ela era dominada pela moral definida pela igreja e pela ciência. Na história também encontramos que foi somente através de manifestações populares que algum movimento no sentido de mudança aconteceu. Foi somente após manifestações de ativistas gays que em 1970 e 1971 invadiram a Associação Psiquiátrica Americana que começou a se pensar de forma diferente. A atitude patologizante havia cristalizado o estigma social onde a homossexualidade era considerada um distúrbio, essa ideia causava enormes danos sociais aos sujeitos da época. Somente em 1973 que foi removido do Manual Diagnóstico e Estatístico das Perturbações Mentais (DSM) e da Classificação Internacional das Doenças a homossexualidade como um distúrbio mental. Mas foi somente em 1991 que definitivamente a Organização Mundial da Saúde passou a desconsiderar a homossexualidade como doença. Percebemos o quanto esse tema retorna. E retorna também os questio-namentos de como conduzir essa discussão. Não podemos deixar de considerar que nosso trabalho nesse sentido é o mesmo, realizar a escuta de um sujeito que vem atravessado pela angustia, promovida pela moral sexual difundida no social e que vem ao nosso consultório movido pelo sofrimento. Foi a partir do reconhecimento do estatuto do simbólico, e do reconhecimento do desejo inconsciente que retomamos o conceito freudiano de escolha amorosa baseada em fatores psíquicos e não genitais simplesmente. Na conferência XX, Freud ao tratar da vida sexual dos seres humanos, defende a ideia de que as diversas correntes "trataram também de fazer crer que constituíam uma parte seleta da humanidade, porém, o certo é que a proporção de indivíduos carentes de qualquer valor é entre homossexuais o mesmo que nos outros grupos humanos de diferentes normas sexuais". E em resposta a uma mãe americana que pretendia fazer tratamento psicanalítico para curar seu filho da homossexualidade Freud respondeu: "o resultado do tratamento não pode ser previsto. O que a análise pode fazer por seu filho segue em outra direção. Se ele é infeliz, neurótico, torturado por conflitos, inibido em sua vida social. A análise pode lhe trazer harmonia, paz de espírito, completo desenvolvimento de suas potencia-lidades, continue ou não homossexual". Ou seja, consideramos que a escolha amorosa é determinado pelo psiquismo e se algo não vai bem, pode haver sim tratamento para as questões de relacionamento que surgirem, como acontece com qualquer pessoa. Vamos deixar de lado os homofóbicos de cada época, que pretendem aterrorizar simplesmente, causar pânico e despertar o horror de quem assiste a tudo passivamente. Ainda bem que não somos mais tão passivos frente a esses discursos como em outros séculos.




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sexta-feira, 28 de junho de 2013


Que posso eu desejar senão ver felizes os meus?


QUE POSSO EU DESEJAR SENÃO VER FELIZES OS MEUS?

Artigo da Psicóloga Tereza Guberovich.

Após uma atitude nada pensada, nada programada me dei conta que “sair do face” não é uma coisa simples. Aconteceu mais ou menos assim: estava eu ali na minha pagina quando pensei: está chato isso. Exclui. Como escreveu Freud lá pelos idos de 1900, encontrar o sentido das coisas é um dos vícios de quem faz analise pessoal. É algo que se impõe. Somente me dei conta da “gravidade” do meu gesto quando vi o pânico dos meus amigos querendo saber se haviam sido excluídos, ou se eu não estava mais lá. E se eu não estava mais lá, o que será que havia acontecido? Esta triste? Separou-se? Está com problemas? São muitas as perguntas. Pensei também, se o meu gesto não era carência. Uma das frases de uso comum é: fez pra chamar a atenção. Será? Será que meu marido vai vir me dizer que a vida dele “no face” sem mim não faz mais sentido? Será que ele irá notar que não estou mais lá? E se notou, vai falar sobre isso ou vaiesperar eu dizer algo? Vejam como não é uma coisa simples. Nós estamos vivendo uma realidade virtual de forma concreta. Nos tempos de Orkut tínhamos uma fazenda onde podíamos comprar com dinheiro real produtos para uma fazenda virtual. Inacreditável. E essa é a nossa realidade atual. Na questão do face cada um do seu jeito tenta saber o que houve na minha vida. Mas a pergunta que mais angustia é a da exclusão. Ser excluído causa pânico, afinal desde pequenos esse é um dos nossos medos mais comuns. É uma fantasia infantil das mais angustiantes. Todo mundo pode buscar na memória alguma situação escolar onde ser excluído era a maior causa de pânico. Ser excluído por alguém que gostamos causa horror e nos remete a nossa condição de desamparo. Desamparados somos frente ao que desconhecemos nas emoções dos outros. O gesto de excluir meu “face”, também poderia ser porque me deu uma canseira daquela mesmice, das atualizações em tempo real, do computador ligado, das atualizações no celular, enfim, sai de cena. Pensei haver saído. Somos pressionados a ter sempre um celular ligado para sermos encontrados no tempo da necessidade dos outros e de preferência atender no primeiro toque. Se temos um celular e o deixamos em casa, ou escolhemos não atender quando ele toca nos coloca na condição de seres insensíveis. Gente que não se importa com a urgência dos outros. Rapidamente vem a pergunta: você tem celular pra quê? E telefonamos uns para os outros para checar o número. Será que é esse mesmo? Será que ela trocou de numero e não me avisou? Se não me avisou o que houve? Esta de mal comigo? Mas por quê? “Aí paremo”, como diz o Chiquinho no rádio. Podemos refletir com isso. É claro que ver e sermos vistos também faz parte da nossa condição humana, do nosso psiquismo. Somos narcísicos por natureza, uns mais, outros menos, mas todos com um grau de narcisismo que nos coloca na mira do olhar do outro. Uma das frases que circula com freqüência, diz mais ou menos assim: felicidade não é felicidade se não pode ser compartilhada. Por isso que nós contamos para os amigos, publicamos nas redes sociais quando estamos felizes, dividi-la de alguma maneira a triplica. É bom saber que fizemos diferença na vida dos nossos amigos. Mas às vezes algumas atitudes que tomamos não são um teste de carência afetiva. Neste caso foi somente uma necessidade de tempo. Foi um teste pessoal: será que eu consigo ficar alguns dias sem saber o que anda rolando por ai? Será que consigo ficar sem saber das atividades diárias de meus amigos? Já tenho a resposta!
Sim, eu consigo. Sabemos que em excesso a vivência nas redes sociais pode levar a problemas patológicos como apatia, fuga da realidade, alienação, perda de interesse para com tudo que não esteja ligado a internet e que podem comprometer significativamente a vida.
Tenho medo de dependências. Não agüento depender de alguma coisa externa. Após chegar a estas conclusões me tranqüilizei. Decidi voltar, para que o pânico não se instalasse definitivamente entre os meus amigos pessoais. Pois quem não tem “face” não se relaciona socialmente como deveria. Nós queremos, mesmo que na fantasia ser um pouco como a Helena de Machado de Assis: dedicada, afetiva e inteligente; com maneiras finas e algumas prendas de sociedade, e mediante a estes recursos, e muita paciência, arte e resignação - não humilde, mas digna - conseguia polir os ásperos, atrair os indiferentes e domar os hostis. Em tempos de realidades virtuais também queremos ganhar os corações sem abdicar de nossa dignidade. Ou será que isso tudo é um grande drama. O Tiago, meu marido diria: estas fazendo um drama de novo. Será?
Tereza Guberovich



domingo, 27 de junho de 2010

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terça-feira, 20 de abril de 2010

HOMENS E MULHERES

CLÁUDIO MORENO


11 – Afrodite, deusa de beleza, era atraente e sensual; Atena, deusa da sabedoria, era séria e compenetrada. Não por acaso, era bem diferente a representação que delas faziam os pintores e escultores do Mundo Antigo. Enquanto Afrodite aparecia mal e mal coberta por véus – quando não totalmente despida –, Atena sempre envergava um longo manto discreto ou vestia armadura completa, com couraça, escudo e capacete.

Este figurino austero condizia com suas atribuições. Por ser lindíssima, deixou mais de um deus enfeitiçado com sua beleza, mas encontrou um modo de afastar definitivamente qualquer possível pretendente: como era a filha favorita de Zeus, pediu ao pai que lhe permitisse ficar virgem e solteira para sempre, a fim de se dedicar ao bem da humanidade. Os gregos a adoravam por tudo o que ela lhes deu: além do primeiro navio, da primeira casa e do primeiro arado, foi ela também que lhes trouxe o dom inestimável da oliveira e do azeite de seus frutos. Apesar de seu aspecto marcial, amava a paz e as artes domésticas, como a cerâmica, a tapeçaria e a tecelagem, e só intervinha nas guerras para assegurar a vitória da justiça. Nunca perdeu uma batalha.

Dizem, contudo, que ela repudiou uma de suas mais valiosas invenções. Certa feita, aplicando o seu engenho à música, sua arte preferida, uniu duas hastes ocas de junco, com orifícios espaçados para os dedos, e formou assim a flauta dupla, de onde extraiu melodias muito mais belas do que as conhecidas até então. Entusiasmada, foi mostrar a riqueza do novo instrumento para os outros deuses do Olimpo; todos ficaram encantados com as novas harmonias, mas Afrodite não conseguia esconder um risinho maldoso cada vez que ela se punha a tocar. Foi o suficiente para que Atena saísse dali desconfiada e fosse procurar uma fonte cristalina que lhe servisse de espelho – e ali, quando viu, horrorizada, que suas feições ficavam deformadas com o esforço de soprar, arrojou para longe a sua flauta, que mais tarde seria resgatada por um sátiro. Houve quem duvidasse da história: uma deusa tão casta, tão avessa ao matrimônio, não ia sacrificar sua invenção por causa da beleza do rosto. Ovídio, porém, poeta romano, ao narrar o episódio – não sei se por ironia –, diz que a própria deusa teria acompanhado o gesto com um sincero desabafo: “Quer saber? A arte não vale tudo isso!”.

12 – Para Johann Cohausen, médico alemão do séc. 18 que serviu de modelo para o dr. Frankenstein, famoso personagem do livro do mesmo nome, as mulheres eram mais oleosas do que os homens. Ele se baseava na recomendação de um coveiro que teve de cremar as vítimas de uma grande epidemia: “Se você colocar uma mulher para cada seis homens, eles arderão mais rápido”. Comentário de uma velha e sábia condessa: “E seis é pouco! Uma mulher tem combustível suficiente para deixar em brasa quantos homens quiser!”.



terça-feira, 1 de dezembro de 2009

01 de dezembro de 2009 | N° 16172AlertaVoltar para a edição de hoje

CLÁUDIO MORENO

  • Elas preferem os tolos?

    No tempo em que os deuses ainda desciam do Olimpo em busca do amor das belas mortais, Apolo tinha tudo para ser o partido mais cobiçado por todas. Além de ser o deus que curava as doenças e os ferimentos, ele presidia – sempre acompanhado das Musas, suas encantadoras ajudantes – todas as formas de música, de canto e de poesia. Sua figura serena era a encarnação do equilíbrio harmonioso entre o intelecto e a beleza física; os artistas sempre o representaram como um homem jovem, de porte atlético, com feições refinadas e um semblante inteligente – um modelo de beleza viril (e não é por acaso que até hoje o dicionário define um “apolo” como um homem belo, forte e elegante). Somem a tudo isso o fato de ser solteiro, e fica difícil imaginar que alguma mulher, antiga ou moderna, pudesse resistir a um homem com tantas qualidades.

    Infelizmente, nem tudo foram rosas para ele, pois foi rejeitado por mais de uma pretendida. O caso mais constrangedor foi o de Marpessa, uma princesa de extraordinária beleza: ele estava tão apaixonado que, numa atitude sem precedentes para um deus da sua importância, pediu-a prosaicamente em casamento – para ficar sabendo, aturdido, que um simples mortal, um tal de Idas, príncipe de um reino vizinho, também tinha entrado na disputa. Como era inevitável, os dois rivais um dia se defrontaram, primeiro com palavras, depois com os punhos. Apesar de desigual, a luta era terrível, e Zeus foi obrigado a intervir para apartar os dois pretendentes. Que a moça decidisse: com qual dos dois casaria? Para surpresa de todos e para escândalo de muitos, ela optou por Idas, alegando – quem sabe era mero pretexto? – que ela não teria uma vida feliz ao lado de um deus tão célebre e tão cultuado por toda a Grécia.

    Dá para imaginar o retorno de Apolo ao Olimpo, cabisbaixo, derrotado, inaugurando, talvez, o mote que os homens despeitados repetem até hoje quando são trocados por algum rematado cretino: “É sempre assim: elas preferem os tolos!”. Os que usam esta ideia como consolo costumam reforçá-la com o exemplo de tantos gênios e artistas maltratados por suas mulheres – e apresentam terríveis exceções para reforçar a regra: daquelas que enfrentaram o desafio de ter um marido brilhante e criativo, muitas foram castigadas por sua ousadia, como lamentou tragicamente Clara, mulher de André Malraux: “Aos poucos eu fui percebendo que viver ao lado dele era um presente magnífico que eu pagava, dia a dia, com meu próprio aniquilamento”. “Eu não disse? É assim mesmo: elas não suportam o brilho!”, exulta Apolo, eterno ressentido – enquanto isso, talvez bem próximo dali, Afrodite trata de confortar alguma ninfa desiludida de amor, com palavras muito semelhantes, cheias de amarga ironia: “Não chores, minha filha, que não vale a pena; os homens sempre preferem as mais tolas – e as mais magras!”.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

RAZÃO, CRENÇA E DÚVIDA

08 Outubro 2009




Onde se manifesta a razão? Na arrogância de certezas absolutas ou na capacidade de duvidar?


MEU PRIMEIRO contato com a história que segue foi em junho passado, no blog de Richard Dawkins (www.richarddawkins.net, site que se autodenomina "um oásis de pensamento claro"). Dawkins é o evolucionista britânico que se tornou apóstolo do racionalismo ateu e cético, escrevendo, entre outros livros, o best-seller mundial "Deus - Um Delírio" (Companhia das Letras, 2007).

Mas eis a história. Em 2002, na Austrália, o casal Sam, de origem indiana, perdeu a filha, Gloria, de nove meses.

A menina, a partir do quarto mês, apresentou sintomas de eczema infantil, que é uma condição alérgica que afeta mais de 10% dos bebês e, geralmente, acalma-se ou some aos seis anos ou na adolescência. As causas do eczema infantil não são bem conhecidas; a medicina administra a condição da melhor maneira possível, esperando que passe. O problema é que o eczema (pele seca com prurido) dá uma vontade de se coçar à qual as crianças não resistem, e a pele, ferida, abre-se para qualquer infecção. Foi o que aconteceu com Gloria, que morreu de septicemia.

Não foi falta de sorte: o pai de Gloria é homeopata e, em total acordo com a mulher, medicou a menina só com remédios homeopáticos (insuficientes na condição da menina). Isso até o fim, quando ela definhava pelas infecções internas e externas. Gloria foi levada a um hospital três dias antes de morrer: as bactérias já estavam destruindo suas córneas, e os médicos só puderam lhe administrar morfina para aliviar seu sofrimento.

Os pais de Gloria foram presos, acusados de homicídio por negligência e, no fim de setembro, condenados pela Justiça australiana: o pai, a oito anos de prisão, a mãe, a cinco anos e quatro meses. Segundo o juiz, Peter Johnson, ambos os pais "faltaram gravemente com suas obrigações diante da filha": o marido pela "arrogância" de sua preferência pela homeopatia e a mulher pela excessiva "deferência" às decisões do marido.

Os termos da decisão de Johnson são admiráveis. A obediência -ao marido, no caso-, seja qual for seu fundamento cultural, nunca é desculpa; ela pode ser, ao contrário, o próprio crime. E, sobretudo, o marido é condenado não por recorrer à homeopatia, mas pela "arrogância" que lhe permitiu perseverar em sua crença e em sua decisão diante do calvário pelo qual passava a menina.

A sentença de Peter Johnson é, para mim, um modelo de racionalidade, porque estigmatiza a certeza independentemente do objeto de crença. Ou seja, o juiz não discute o bem fundado da autoridade do marido e, ainda menos, os méritos respectivos da homeopatia e da medicina alopática. Tampouco ele quer limitar a liberdade de opinião, garantida pela Constituição; a sentença penaliza apenas, por assim dizer, a rigidez.

Se me coloco no lugar dos pais de Gloria, não consigo imaginar uma crença, por mais que ela possa ser crucial para mim, que resista à visão do corpinho de minha filha transformado numa ferida aberta e purulenta.

Antes disso, eu (embora confiando, a princípio, na medicina alopática) já teria convocado não só os homeopatas (o que, aliás, seria uma banalidade, visto que a homeopatia é uma especialidade médica reconhecida) mas também todos os xamãs, feiticeiros e curandeiros que me parecessem minimamente confiáveis. E, é claro, embora agnóstico, eu rezaria, sem nenhuma vergonha e sem o sentimento de trair minhas "convicções", pois a primeira delas, a que resume minha racionalidade, diz, humildemente, que há muito no mundo que minha razão não alcança.

Se fosse testemunha de Jeová, e minha filha precisasse de uma transfusão (que a religião proíbe), abriria imediatamente uma exceção. Mesma coisa se fosse cientologista, e minha filha precisasse de ajuda psiquiátrica. Sou volúvel e irracional? O fato é que tenho poucas crenças (provavelmente, nenhuma absoluta), e acontece que, para mim, a razão é uma prática concreta, específica: um jeito de pesar e decidir em cada momento da vida.

O surpreendente é que, ao ler os comentários dos leitores no blog de Dawkins, os "racionalistas" parecem tão "rígidos" quanto o pai de Gloria. "A razão" (que eles confundem com uma visão aproximativa do estado atual da arte médica) é, para eles, um objeto de fé, uma crença pela qual facilmente condenariam os "infiéis" à fogueira.

Com o juiz Johnson, pergunto: onde se manifesta a razão? Na arrogância das certezas ou na capacidade de duvidar?

ccalligari@uol.com.br