sábado, 1 de março de 2014 11:14
O QUE QUER UMA MULHER?
Artigo especial do Caderno Especial do Dia da Mulher:
A questão das especificidades do feminino constitui o ponto de partida da psicanalise e também um ponto de constante retorno à Freud. A construção da sua teoria foi motivada pela curiosidade em relação ao feminino e suas consequências no âmbito amoroso. Foi duramente criticado por homens e mulheres da época, mas mesmo assim o enigma que tentou resolver continua muito atual: "O que quer uma mulher?"
A partir desta pergunta uma teoria foi desenvolvida e assentada nas questões fálicas, ou seja, no modo como cada um, masculino e feminino se colocam frente à vida afetiva.
Poderíamos esperar da psicanalise então, uma definição da feminilidade, mas como Freud propõe, é uma tarefa impossível. Conseguiu conceber uma teoria onde investigou como uma criança torna-se uma mulher. Essa pergunta freudiana nos remete a pensar no quanto esse tema é complexo e sempre trouxe muitas questões para os homens. Lembrando que a figura feminina já esteve associada à imagem de figuras perigosas, a bruxa, a feiticeira, os demônios. Figuras estas concebidas por homens para definir uma mulher sedutora, inatingível, enigmática, portanto extremamente perigosa. Considerando o lado primitivo que nos habita, não podemos deixar de lado os dramas humanos mais comuns como o destino e as escolhas. Estes destinos nos remetem as tragédias gregas onde encontramos os mais belos e terríveis exemplares femininos, onde as pulsões violentas comandam a intensidade amorosa. Mulheres terríveis: Medéia, que amava demais. Clitemnestra, mulher que amava de menos, mata seu marido e toma dele o trono. Helena de Tróia, que com suas escolhas provoca uma guerra de dez anos entre dois reinos poderosos.
Mais atuais algumas figuras da literatura são também muito interessantes, mesmo que enlou-quecidas porque tentavam de uma forma ou de outra encontrar sentido para o medo do vazio sem fim. Mulheres infelizes que estavam presas a um marido provedor, gentil e insosso. Exemplo clássico apresentado por Flaubert com sua Madame Bovary. Bovary representa bem quando o amor é um vício. As mulheres atuais conseguem expressar seu desejo de forma mais eficaz. Com as manifestações do desejo feminino de forma mais aberta sem ser dissimulado em sintomas no corpo, os homens questionam sua posição e por vezes se sentem insuficientes como filhos e maridos. Madame Bovary apresenta outros homens desejáveis além do marido, mas não menos medíocres. Talvez para tentar entender o que é incompreensível que os homens falam pela via do humor da insatisfação feminina, eles dizem que elas não sabem o que querem. Mas então, a pergunta clássica masculina é extremamente atual. Freud sugeriu perguntar aos poetas sobre essa questão. Pensou que talvez eles pudessem conceber melhor uma resposta. Sim, através dos tempos os poetas cada um a seu modo, tentam decifrar os enigmas femininos, escrevendo e cantando suas interpretações da mesma forma que o homem lá de casa que de vez em quando flerta com o perigo me homenageando com a música "muiezinha incomo-dativa", mas me chama para dançar. Nesta letra bastante fálica ele canta junto com o cantor Mano Lima, que "muiezinha incomo-dativa igual a minha ninguém tem". Ilusão sua, não sou a única incomodativa, cada homem um dia, em algum momento pensa assim da sua mulher. Ou, não conseguindo expressar, fala da mulher do amigo: essa sim incomoda muito...
Deixando pra lá os clichês na letra desta música, ficamos com a afirmação: as mulheres "incomodam" sim. Não são mais submissas, infelizes e exploradas. São bem sucedidas em vários âmbitos da vida e se não são, saem em busca dos seus sonhos. Hoje em dia não é mais tão normal assim que o homem seja o provedor da família.
Mas o que mais marca o feminino na atualidade é a independência psíquica.
É bom que as fronteiras entre o feminino e masculino ainda existam, pois a diferença torna a erótica mais interessante. Cada um a seu modo se apresenta no processo civilizatório tornando a diferença como um ganho, não como uma perda. A questão que podemos levar em conta é que deixando de lado as diferenças de gênero, se você tem uma vida interessante se torna interessante aos olhos do outro. Uma mulher sempre vai preferir ir à luta, mesmo que isso lhe custe uma unha. Nossa fome de ação é muito bem definida por Luis Fernando Verissimo na crônica. Em Algum Lugar do Paraíso, onde ilustra de forma bem humorada a clássica história da criação:"feliz mesmo era o Adão, o primeiro homem. Adão, sozinho no Paraíso, era um homem feliz porque era um homem sem datas. Mas quando Deus colocou Eva ao lado de Adão, a primeira coisa que ela perguntou, ainda úmida da criação, só para puxar assunto, foi: "Que dia é hoje?", e ele sentiu que sua paz terminara. Ele era um homem no tempo[...] O tempo não foi a única novidade trazida por Eva ao jardim do Paraíso. Foi ela que, dias depois, colheu o fruto proibido, que os tornou, de uma só mordida, sexuais e mortais[...]depois de ganhar uma mulher e descobrir o tempo e sua mortalidade, Adão descobriu seu próprio corpo."
Tirando de cena a discussão batida da diferença entre os cérebros masculino e feminino, também não queremos um homem submisso, infantil ou menos poderoso ao nosso olhar. Queremos os homens assumindo sua posição masculina e também não queremos ser iguais no sentido mais concreto.Queremos continuar femininas, delicadas, fortes. Temos uma necessidade muito grande de ação, de falar, e de sentir. Somos um pouco masoquistas, megalomaníacas, e sentimos uma culpa infernal de não sermos suficientemente boas, mas movimentamos o mundo e nos posicionamos cada vez mais, fazendo a nossa parte para a construção da nossa realidade. Feliz Dia da Mulher.
Por: Tereza Guberovich - Psicóloga na Clinica Hermann
tereza.tereza13@gmail.com