domingo, 26 de outubro de 2008

A INDEFINÍVEL ANGÚSTIA

Como saber quando a sensação, normal e até saudável, está passando do limite

A angústia é um daqueles conceitos que todo mundo entende, mas ninguém consegue definir. Uma sensação de aperto que não é física, uma violenta agitação imóvel, uma ferida que dói e sangra não por fora, por dentro. Imagens sem fim podem ser usadas para descrevê-la, mas nenhuma a abraça. Diante de uma aflição de limites tão imprecisos, uma pergunta se impõe: como saber quando a angústia deixa de ser uma reação psíquica normal e até saudável para se transformar em doença?

O tema se tornou tão atual que a Associação Psicanalítica de Porto Alegre (Appoa) resolveu dedicar seu próximo congresso, de 14 a 16 de novembro, integralmente à angústia, abordando-a sob enfoques como o econômico e o cultural. O psicanalista Robson de Freitas Pereira, um dos coordenadores do encontro, diz que não há regras fixas para saber quando ela passou do limite do normal e entrou no campo do patológico. Mas há alguns sinais que devem fazer o alarme soar. A ajuda de um profissional é necessária quando o indivíduo é levado a se desqualificar por estar angustiado e interpreta a angústia como um sinal de fracasso – no trabalho, na função paterna ou na relação amorosa, por exemplo.

– Está na hora de buscar auxílio terapêutico quando o sofrimento se torna repetitivo demais, a ponto de tomar conta da identidade do indivíduo – aconselha Pereira.

Observar as pessoas ao redor também pode ser uma boa orientação: quando parentes e amigos começam a se angustiar junto, é sinal de que a angústia passou do limite।

http://zerohora.clicrbs.com.br

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

A Charada do Coringa

Por que tão sério?

O demoníaco Coringa da derradeira atuação de Heath Ledger (em Batman – O Cavaleiro das Trevas, de Christopher Nolan) roubou a cena. O jovem ator australiano construiu um vilão cheio de tiques e olhares alucinados, representando uma encarnação do mal digna da linhagem do Hannibal de Hopkins e do Iluminado de Nicholson.

Complementar a essa performance, está a brincadeira que o Coringa faz com a psicogênese do mal: cada vez que ameaça cortar ou matar uma de suas vítimas, compraz-se em narrar um trauma de infância, que teria dado origem às suas cicatrizes e à sua crueldade. Porém, ele mente ou distorce, pois ele sempre conta um episódio diferente. As versões giram em torno duma história familiar trágica e triste, conseqüência da qual teria ficado em seu rosto um corte em ambas comissuras labiais que lhe impõe um “sorriso” sinistro. Um trauma que justificaria o fato de que ele se divirta com o sofrimento alheio.

A maldade gratuita do palhaço demoníaco de Ledger ridiculariza nosso desejo de controlá-la, como se ao lhe saber a origem pudéssemos também prevenir e, principalmente, garantir que ela não se expresse. Enigmaticamente, ninguém é alheio ao mal: todos nós retiramos algum prazer da evocação da violência e do assassinato em nossos sonhos e devaneios, na ficção, nos jogos.

É no bordão usado pelo Coringa quando está subjugando suas vítimas, que talvez possamos encontrar um esboço de resposta sobre a origem da maldade. Ele lhes pergunta: “por que tão sério?”, enquanto tenta matá-las. A seriedade a que se refere é a de não estar rindo, como ele próprio, cuja cicatriz o força a uma boca sempre sorridente, tão artificial como a das mulheres excessivamente plastificadas. O patético riso do Coringa parodia a felicidade compulsiva e aparente, exibida nos comerciais e nas revistas de celebridades. O Coringa é o monstro do império do gozo. Todos devemos ser ricos, ociosos, que alguém nos sirva e divirta o tempo todo, ter orgasmos múltiplos, não suportar contrariedades nem enfados. O problema é que na vida a chatice é regra e a felicidade exceção. Nesse simulacro de alegria, é preciso viver sempre como se estivéssemos a bordo de um iate, rodeados de amantes, lindos e jovens. Frente a isso, como suportar os enfados dos vínculos amorosos, familiares, do trabalho? O Coringa não tem essas mágoas, ele é louco de rasgar dinheiro, seu gozo desmedido não tem preço, está sempre a seu dispor. Esse vilão na sua plenitude é sob medida para nosso mundo imediatista: ele não quer, ele pega।
Linkterradonunca