segunda-feira, 24 de agosto de 2009

O QUE A GENTE NÃO DIZ!





A jornada de abertura dos trabalhos deste ano da Associação Psicanalítica de Porto Alegre – APPOA, trás a tona um tema sempre atual, discutido nas conversas sociais, nas revistas, na literatura: O ciúme. O “monstro de olhos verdes” como escreve Shakespeare em Othello. Capitu, com seus olhos de ressaca em Machado de Assis... Na literatura encontramos desde Freud material suficiente para refletir sobre o tema dos afetos. Numa carta a Schnitzler, escritor, Freud diz: “sua profunda apreensão das verdades do inconsciente e da natureza biológica do homem, o modo como o senhor desmonta as convenções sociais de nossa sociedade, a extensão em que seus pensamentos estão preocupados com a polaridade do amor e da morte, tudo isso me toca com uma estranha sensação de familiaridade. Assim, ficou-me a impressão de que o senhor sabe por intuição - realmente, a partir de uma fina auto-observação tudo que tenho descoberto em outras pessoas por meio de laborioso trabalho”¹. Desde que Sigmund Freud fundou a psicanálise que a condição excêntrica do homem possibilita inúmeras reflexões. Ele levantou a questão do mal-estar e elaborou uma teoria centrada na analise do sofrimento psíquico, muito abordado na literatura. Nesse contexto, o do sofrimento psíquico, que a psicanálise intervém na tentativa de sustentar a subjetividade e a condição desejante de um sujeito desamparado frente às forças da natureza. Assim, os temas para reflexão são abordados nas suas mais diferente formas: “Amor, ódio, ciúme, assassinato, espera...
Como escapar de sentimentos tão batidos? De todos os que poderíamos aqui enumerar, o ciúme continua sendo aquele que tendemos a dissimular. Do mesmo modo que o alcoólatra bebe escondido, o ciúme mascara sua vergonha. Freguês dos sentimentos ausentes? Não. O ciúme não se assume. Fere. Refugia-se e desenvolve-se insidiosamente no âmago de nossa cúmplice ignorância. Obsceno, recalca-se. O ciúme nos fala de amor. Não pelo parceiro com o qual vamos trocar nossas palavras. Ele me fala do amor que me diz o quanto me amo graças a você, objeto de meus pesadelos. Eros bumerangue. Eros seria freudiano. Mas ele é freudiano! E o ódio? A flecha do ódio. Ter necessidade de alguém único que nos olhe como alguém único[...]Quem escapa a isso? Quem não sonha com um outro que seja confiável?”²
Com este fragmento de um livro belíssimo de Denise Lachaud falemos outra vez do ciúme! De que outra coisa falaremos? Não temos como escapar de sentimentos tão batidos, porque o afeto faz parte de nossa condição humana. Quando elegemos alguém para amar o fazemos por identificação narcísica: “nós nos encontramos”; quer dizer que me encontrei em um outro idealizado. Assim, se me encontrei estou completa. Nada me falta. No entanto, somos inseguros, não sabemos porque o escolhido é aquele. No ciúme é colocado em jogo o desejo, a falta e o olhar. O olhar comparece com sua face mortífera. O ciúme ofusca um sujeito que se sente um espectador excluído da cena. Mas não é um sentimento evidente e requer abordagens sutis, mesmo que seja um afeto que aflige a todos. Na tentativa de apreensão do desejo do outro o próprio sujeito se perde. Freud escreve que o ciúme pode ser delirante, pode ser normal, mas sua característica principal é a certeza: todos querem este que é objeto de meu desejo. Qualquer sinal designa o culpado. Mas como disse Diana Corso, desconfie do ciumento: é ele quem esta de olho na cerca!


¹Freud e seu duplo – Noemi Moritz Kon
²Ciumes – Denise Lachaud
Diana Corso – Psicanalista membro da APPOA

Tereza Guberovich –
Membro da Associação Espaço Psicanalítico – AEP