quarta-feira, 10 de junho de 2009

PENAS DO TIO PATINHAS

Penas do Tio Patinhas[1]

Iza Maria Abadi de Oliveira

Tio PatinhasTio Patinhas, o pato mais rico de Patópolis, conta com sessenta anos. É um personagem que atravessou décadas acompanhando e formando o imaginário infantil de muitos de nós. Criado por Carl Barks, sua estréia aconteceu em dezembro de 1947, na história Christmas on Bear Mountain (Natal nas Montanhas, no Brasil, publicada pela primeira vez em 1953 no gibi Mickey # 15, da Editora Abril), protagonizada pelo Pato Donald.

Este velho avarento, mesquinho, que só pensa em suas patacas, não casou, não teve filhos, e esconde a revelação de seu verdadeiro herdeiro. O que ocasiona muitos atritos entre seus prováveis detentores de suas patacas. A vida deste Pato se resume a vigiar e acumular suas moedas de ouro. Como disse minha filha, após a primeira leitura de um daqueles gibis: “Ele só pensa em riqueza e vive mal-humorado!”. Uma síntese oportuna para quem nem precisou percorrer seis décadas das histórias do velho para concebê-lo como o grande avarento das histórias em quadrinhos. Sua riqueza parece ser inversamente proporcional à composição de seu espírito. Tio Patinhas só opera com um cálculo em sua existência.

No entanto, é preciso não ficarmos absorvidos pela sua avareza – o atributo mais evidente de seu modo de ser no mundo. Mesmo que tenhamos a nítida impressão que com todas as suas penas, ele é um mártir da obediência cega a uma lógica utilitária da condição humana.

Transpondo a lógica econômica para uma da economia psíquica, de uma forma de funcionamento subjetivo, aquele Pato mal-humorado indica algumas luzes sobre o que é investimento e gasto.

No discurso contemporâneo de nossa cultura está presente uma sentença de que os ganhos de um investimento devem ser garantidos de antemão. Vide as inúmeras formas de ‘seguros’ existentes: de bens materiais a humanos (não devemos esquecer que sempre se paga para acioná-los). O psicanalista Contardo Calligaris definiu o neurótico como aquele que quer andar de trem, mas não quer pagar - não tem certeza que sua poltrona será confortável, se chegará na hora exata, terá uma boa companhia, etc. O valor de seus ganhos tem que ser diretamente proporcional ao preço da passagem. Facilmente, se desconhece que é preciso perder para ganhar, assim como nem sempre há um encontro entre preço e valor. Entregue a este cálculo, pode-se ficar parado na estação, vendo o trem passar.

A genialidade do Tio Patinhas é de que ele nos ajuda a pensar no quanto uma vida pode ser miserável com tantas patacas. Ele nos ensina o preço de não arriscar, de um funcionamento de vida regido apenas pela via de um cálculo; e as penas que poderiam lhe fazer movimentar, nada mais servem do que penar.



[1] Publicado na Coluna “Descronificando”, Jornal Hora H, 29/5/2009.