sábado, 29 de junho de 2013

De onde vem o discurso homofóbico?


De onde vem o discurso homofóbico

Artigo da Psicóloga Tereza Guberovich.

Os últimos acontecimentos diante da votação de uma proposta feita por um deputado federal de "cura da homossexualidade" motivaram este artigo. O argumento é de promover a igualdade entre as pessoas. Um tema recorrente que ao longo dos tempos ressurge com uma certa característica, a pretensão de ser uma solução definitiva para algo que é considerado problema: a homossexualidade.
O discurso homofóbico calcado no ideal de hete-rossexulidade como norma, promove a estigmati-zação do sujeito a partir de critérios comportamentais, onde qualquer referencia ao desejo e à subjetividade é excluída. Esse tipo de argumento nos convoca a reafirmar como válido o discurso da psicanálise como um discurso calcado na ética do desejo, ou seja, retirando a escolha amorosa da via do normal e do patológico que se difunde pelo imaginário social. Pois esse tipo de proposta do deputado, parte da ideia de que existe a necessidade de haver a complementaridade dos sexos.
O argumento é sempre o mesmo ao longo do tempo, como defendeu um pastor candidato a vereador no Rio de Janeiro em 2010: a luta é "em favor da família e preservação da espécie humana. Deus fez o macho e a fêmea". Mas o exemplo que considero mais grave é o dos denominados "Psicólogos de Cristo" que agindo contra o código de ética profissional fazem a mistura de ciência e religião de forma infeliz produzindo um discurso de cura. Se retomarmos a história, iremos descobrir que foi a partir de um determinado tempo que a questão da escolha amorosa passou a ter uma importância diferenciada, anteriormente a ideia de casamento como a centralizadora do amor, sexo e procriação não existia a preocupação com a homossexualidade. Ou seja, foi por volta do século XII, que o pensamento católico passou a se interessar pela questão da sexualidade. E o que era considerado uma forma de amor passou com o pensamento cristão que unia ciência, religião e política a ser considerado um vício satânico pela igreja, e no século XIX pela psiquiatria foi considerada perversão. Nesse cenário onde a igreja mantinha a posição de existirem fronteiras entre o natural e o anti-natural e punia quem transgredisse, e onde a ciência procurava discernir o normal do patológico, era deixado de lado qualquer concepção de psiquismo e escolha amorosa do sujeito. Freud subverteu a concepção de sexualidade humana ao marcar um discurso distinto da moral social com o conceito de pulsão, rompendo com o discurso biologizante da ciência na questão da escolha homossexual.
Freud considerou que escolha objetal em relação ao sexo desenvolve-se a partir do sujeito do inconsciente, valorizando a pulsão em detrimento do discurso contaminado pela moral sexual religiosa e pelo discurso medico curativo que julga e estigmatiza. Interessante pensar porque esse tema sempre retorna com discurso da cura, não deixa de ser uma tentativa de controle ou demonstração de poder onde alguns teriam essa habilidade de diagnosticar, ou seja, julgar e curar o que é considerado uma doença. Então esse discurso nunca desapareceu. Podemos pensar nos motivos que fazem seu retorno: causar medo e horror. Sim, estarmos vivendo outras épocas que não aquelas onde a liberdade de expressão da sexualidade não existia, onde ela era dominada pela moral definida pela igreja e pela ciência. Na história também encontramos que foi somente através de manifestações populares que algum movimento no sentido de mudança aconteceu. Foi somente após manifestações de ativistas gays que em 1970 e 1971 invadiram a Associação Psiquiátrica Americana que começou a se pensar de forma diferente. A atitude patologizante havia cristalizado o estigma social onde a homossexualidade era considerada um distúrbio, essa ideia causava enormes danos sociais aos sujeitos da época. Somente em 1973 que foi removido do Manual Diagnóstico e Estatístico das Perturbações Mentais (DSM) e da Classificação Internacional das Doenças a homossexualidade como um distúrbio mental. Mas foi somente em 1991 que definitivamente a Organização Mundial da Saúde passou a desconsiderar a homossexualidade como doença. Percebemos o quanto esse tema retorna. E retorna também os questio-namentos de como conduzir essa discussão. Não podemos deixar de considerar que nosso trabalho nesse sentido é o mesmo, realizar a escuta de um sujeito que vem atravessado pela angustia, promovida pela moral sexual difundida no social e que vem ao nosso consultório movido pelo sofrimento. Foi a partir do reconhecimento do estatuto do simbólico, e do reconhecimento do desejo inconsciente que retomamos o conceito freudiano de escolha amorosa baseada em fatores psíquicos e não genitais simplesmente. Na conferência XX, Freud ao tratar da vida sexual dos seres humanos, defende a ideia de que as diversas correntes "trataram também de fazer crer que constituíam uma parte seleta da humanidade, porém, o certo é que a proporção de indivíduos carentes de qualquer valor é entre homossexuais o mesmo que nos outros grupos humanos de diferentes normas sexuais". E em resposta a uma mãe americana que pretendia fazer tratamento psicanalítico para curar seu filho da homossexualidade Freud respondeu: "o resultado do tratamento não pode ser previsto. O que a análise pode fazer por seu filho segue em outra direção. Se ele é infeliz, neurótico, torturado por conflitos, inibido em sua vida social. A análise pode lhe trazer harmonia, paz de espírito, completo desenvolvimento de suas potencia-lidades, continue ou não homossexual". Ou seja, consideramos que a escolha amorosa é determinado pelo psiquismo e se algo não vai bem, pode haver sim tratamento para as questões de relacionamento que surgirem, como acontece com qualquer pessoa. Vamos deixar de lado os homofóbicos de cada época, que pretendem aterrorizar simplesmente, causar pânico e despertar o horror de quem assiste a tudo passivamente. Ainda bem que não somos mais tão passivos frente a esses discursos como em outros séculos.




http://www.jornalnoroeste.com.br/noticias/artigos/de-onde-vem-o-discurso-homofobico

sexta-feira, 28 de junho de 2013


Que posso eu desejar senão ver felizes os meus?


QUE POSSO EU DESEJAR SENÃO VER FELIZES OS MEUS?

Artigo da Psicóloga Tereza Guberovich.

Após uma atitude nada pensada, nada programada me dei conta que “sair do face” não é uma coisa simples. Aconteceu mais ou menos assim: estava eu ali na minha pagina quando pensei: está chato isso. Exclui. Como escreveu Freud lá pelos idos de 1900, encontrar o sentido das coisas é um dos vícios de quem faz analise pessoal. É algo que se impõe. Somente me dei conta da “gravidade” do meu gesto quando vi o pânico dos meus amigos querendo saber se haviam sido excluídos, ou se eu não estava mais lá. E se eu não estava mais lá, o que será que havia acontecido? Esta triste? Separou-se? Está com problemas? São muitas as perguntas. Pensei também, se o meu gesto não era carência. Uma das frases de uso comum é: fez pra chamar a atenção. Será? Será que meu marido vai vir me dizer que a vida dele “no face” sem mim não faz mais sentido? Será que ele irá notar que não estou mais lá? E se notou, vai falar sobre isso ou vaiesperar eu dizer algo? Vejam como não é uma coisa simples. Nós estamos vivendo uma realidade virtual de forma concreta. Nos tempos de Orkut tínhamos uma fazenda onde podíamos comprar com dinheiro real produtos para uma fazenda virtual. Inacreditável. E essa é a nossa realidade atual. Na questão do face cada um do seu jeito tenta saber o que houve na minha vida. Mas a pergunta que mais angustia é a da exclusão. Ser excluído causa pânico, afinal desde pequenos esse é um dos nossos medos mais comuns. É uma fantasia infantil das mais angustiantes. Todo mundo pode buscar na memória alguma situação escolar onde ser excluído era a maior causa de pânico. Ser excluído por alguém que gostamos causa horror e nos remete a nossa condição de desamparo. Desamparados somos frente ao que desconhecemos nas emoções dos outros. O gesto de excluir meu “face”, também poderia ser porque me deu uma canseira daquela mesmice, das atualizações em tempo real, do computador ligado, das atualizações no celular, enfim, sai de cena. Pensei haver saído. Somos pressionados a ter sempre um celular ligado para sermos encontrados no tempo da necessidade dos outros e de preferência atender no primeiro toque. Se temos um celular e o deixamos em casa, ou escolhemos não atender quando ele toca nos coloca na condição de seres insensíveis. Gente que não se importa com a urgência dos outros. Rapidamente vem a pergunta: você tem celular pra quê? E telefonamos uns para os outros para checar o número. Será que é esse mesmo? Será que ela trocou de numero e não me avisou? Se não me avisou o que houve? Esta de mal comigo? Mas por quê? “Aí paremo”, como diz o Chiquinho no rádio. Podemos refletir com isso. É claro que ver e sermos vistos também faz parte da nossa condição humana, do nosso psiquismo. Somos narcísicos por natureza, uns mais, outros menos, mas todos com um grau de narcisismo que nos coloca na mira do olhar do outro. Uma das frases que circula com freqüência, diz mais ou menos assim: felicidade não é felicidade se não pode ser compartilhada. Por isso que nós contamos para os amigos, publicamos nas redes sociais quando estamos felizes, dividi-la de alguma maneira a triplica. É bom saber que fizemos diferença na vida dos nossos amigos. Mas às vezes algumas atitudes que tomamos não são um teste de carência afetiva. Neste caso foi somente uma necessidade de tempo. Foi um teste pessoal: será que eu consigo ficar alguns dias sem saber o que anda rolando por ai? Será que consigo ficar sem saber das atividades diárias de meus amigos? Já tenho a resposta!
Sim, eu consigo. Sabemos que em excesso a vivência nas redes sociais pode levar a problemas patológicos como apatia, fuga da realidade, alienação, perda de interesse para com tudo que não esteja ligado a internet e que podem comprometer significativamente a vida.
Tenho medo de dependências. Não agüento depender de alguma coisa externa. Após chegar a estas conclusões me tranqüilizei. Decidi voltar, para que o pânico não se instalasse definitivamente entre os meus amigos pessoais. Pois quem não tem “face” não se relaciona socialmente como deveria. Nós queremos, mesmo que na fantasia ser um pouco como a Helena de Machado de Assis: dedicada, afetiva e inteligente; com maneiras finas e algumas prendas de sociedade, e mediante a estes recursos, e muita paciência, arte e resignação - não humilde, mas digna - conseguia polir os ásperos, atrair os indiferentes e domar os hostis. Em tempos de realidades virtuais também queremos ganhar os corações sem abdicar de nossa dignidade. Ou será que isso tudo é um grande drama. O Tiago, meu marido diria: estas fazendo um drama de novo. Será?
Tereza Guberovich