domingo, 11 de maio de 2008

DESCRONIFICANDO: Um incerto Capitão Nascimento



Iza Maria de Oliveira
Escrever sobre o filme “Tropa de Elite”, de José Padilha, consagrado (Urso de Ouro, Berlim, 2008; Prêmios na Academia Brasileira de Cinema, 2008), sobre o qual tantas críticas importantes foram escritas, é um risco inevitável quanto a uma restrição frente à sua riqueza e complexidade.
Uma das linhas de horizonte, apresentada em “Tropa de Elite”, através do personagem, Capitão Nascimento, acerca do espírito de nossa época é a situação do sujeito em crise com suas escolhas. Ou seja, a experiência de conflito na vida quando se impõe algo próximo a um “To be or not to be: that's the question”. Desde o início, assistimos o personagem, Capitão Nascimento, se debatendo quanto a várias questões, principalmente entre deixar ou não seu trabalho no Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro (BOPE), em função de sua vida de família. Trata-se de uma escolha que ele tem a fazer, estando implicadas perdas e efeitos de seu ato na vida do outro. Entretanto, este conflito vivido pelo personagem não é apresentado como proveniente de uma condição de culpa.
Uma escolha comporta uma tomada de posição, de reposicionamento de lugar de fala e de endereçamento ao outro. Escolher, própria condição do sujeito nos nossos tempos, não é uma tarefa fácil. Os pensamentos e palavras do Capitão demonstram isso. Uma escolha elevada a sua condição máxima de responsabilidade implica situar as perdas que o sujeito suporta e, principalmente, no que este ato implica na vida do outro. Esta pergunta é essencial numa posição de responsabilidade com seu desejo. Sendo assim, trata-se de um ato que não é fruto de uma pretensão de autonomia. Por isso, uma escolha comporta um reconhecimento deste desejo numa historicidade, na trajetória de uma vida do sujeito. Por exemplo, como uma mesma questão se pôs em momentos distintos de uma existência? Para uma verificação disto é imprescindível o tempo como condição de elaboração. Portanto, uma tomada de posição é efeito de um trabalho produzido dentro de um tempo.
Entretanto, como se permitir viver esta experiência em nossos dias? Pois, um trabalho de elaboração de um conflito implica um tempo de parada, de suspensão. Isto parece estar na contramão à lógica dos nossos tempos quando há um domínio pela busca de poções mágicas para soluções complexas. Ou seja, a resolutividade numa economia de tempo, ocasionando um curto circuito da posição do sujeito. Muitas vezes, como indica Calligaris (Folha de São Paulo, Ilustrada, 11/10/2007), assumir uma consciência culpada é uma forma de desculparmos de nossa inércia frente à culpa que sentimos.
Capitão Nascimento não é um herói de cavalaria, tampouco um anti-herói। É um homem que expõe as contradições que habitam em seu espírito, colocando em evidência o que há em cada um de nós: nossa condição de sujeitos que, numa ruptura com preceitos da tradição, acreditamos nos livrar dos impasses e percalços de uma liberdade individual.

Nos escreve a autora:
"Compartilho algumas idéias esboçadas em formato de texto, e publicadas na coluna, "Descronificando" (Jornal Hora H, 10/5/2008), para possíveis indicações e diálogos".

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