segunda-feira, 21 de abril de 2008

Acídia, Depressão & Cia. Alma e corpo.



Ao caracterizar a acídia como uma tristeza (e, para Gregório, a própria tristeza era o pecado capital), abrem-se inúmeras dimensões antropológicas, com interfaces nem sempre claras e a questão adquire uma imensa complexidade: a tristeza pode (ou não) ser pecado, doença, estado de ânimo, atitude existencial..., ou combinações desses fatores.
Só com enunciar essas dimensões, já se mostra imediatamente a extrema atualidade de nosso tema. Por exemplo, Andrew Solomon, autor de um dos mais importantes livros sobre a "doença de nosso tempo", a depressão, incluiu a velha acídia no próprio título de sua obra: "O demônio do meio-dia - uma anatomia da depressão"[20] . O "demônio do meio-dia" é o da acídia[21] .
Infelizmente, nesse livro - tão oportuno e acertado na análise da depressão - o autor incorre em uma imprecisão ao examinar a obra de Tomás de Aquino, dando a impressão de que Tomás endossa teses que, na verdade, são o avesso das afirmadas realmente pelo Aquinate. E, por se tratar do núcleo da antropologia de Tomás, vale a pena que examinemos o problema. Erroneamente diz Solomon:
Tomás de Aquino, cuja teoria de corpo e alma colocava a alma hierarquicamente acima do corpo, concluía que a alma não poderia ser sujeita às doenças corporais. Contudo, uma vez que a alma estava abaixo do divino, era sujeita à intervenção de Deus ou de Satã. Dentro desse contexto uma doença tinha que ser do corpo ouda alma, e a melancolia estava assinalada para a alma[22] .
Certamente, a descrição que Tomás faz da acídia, das manifestações do vício capital da acídia, aproxima-se muito da descrição que podemos fazer hoje da doença da depressão. Mas isto não significa que Tomás não possa atribuir a tristeza depressiva a causas naturais, alheias ao âmbito moral: quando o Aquinate fala da acídia, de suas "filhas" e manifestações, está focando a dimensão que mais lhe interessa como teólogo: a da tristeza moralmente culpável[23] . Nessa mesma linha, seria interessante, para nós hoje, considerarmos também - para além da realidade da depressão como doença (hoje em dia, mais do que evidente para nós) -, que pode haver uma acídia, uma dimensão moral em alguns casos de tristezas depressivas.
De resto, nada mais alheio ao pensamento de Tomás do que uma incomunicação entre espírito e matéria. O que Tomás, sim, afirma é o homem total, com a intrínseca união espírito-matéria, pois a alma, para o Aquinate é forma, ordenada para a intrínseca união com a matéria.
Nesse sentido, comparemos as afirmações de Solomon com o que realmente diz Santo Tomás, precisamente em relação ao nosso tema, a tristeza, os remédios para a tristeza, que reside na alma. Tomás enfrenta esta questão na Suma Teológica I-II 38 e no artigo 5 chega a recomendar banho e sono como remédios contra a tristeza! Pois, diz o Aquinate, tudo aquilo que reconduz a natureza corporal a seu devido estado, tudo aquilo que causa prazer é remédio contra a tristeza. Tomás destrói assim a objeção "espiritualista":
Objeção 1.: Parece que sono e banho não mitigam a tristeza. Pois a tristeza reside na alma; enquanto banho e sono dizem respeito ao corpo, portanto, não teriam poder de mitigar a tristeza.
Resposta à objeção1: Sentir a devida disposição do corpo causa prazer e, portanto, mitiga a tristeza[24] .
De resto, para os remédios contra a tristeza, Tomás não fala de Deus nem de Satã, mas sim recomenda: qualquer tipo de prazer, as lágrimas, a solidariedade dos amigos, a contemplação da verdade, banho e sono. E ainda sobre a interação alma-corpo, Tomás afirma em I-II, 37, 4:
A tristeza é, entre todas as paixões da alma, a que mais causa dano ao corpo [...] E como a alma move naturalmente o corpo, uma mudança espiritual na alma é naturalmente causa de mudanças no corpo.

Jean LauandProf. Titular FEUSP

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