segunda-feira, 21 de abril de 2008

Quando um brinquedo dura mais que um Natal...

Toda a movimentação que assistimos no Natal em relação aos presentes nos remete a pensar sobre o lugar da fantasia na constituição psíquica de uma criança. O natal se torna uma promessa de participar de um mundo mágico, as crianças são grandes especialistas em mistérios, enigmas e em aventuras num mundo de faz – de - conta.
A perspectiva de ganhar presentes leva a criança a sonhar o tão esperado momento da chegada do papai Noel. Mas a festa também acontece na imaginação dos adultos, são eles que tomam a iniciativa, seja prometendo recompensa por bom comportamento ou punição quando a criança não responde aos seus ideais. Portanto, não é somente as crianças que depositam expectativas na figura do papai Noel. Assim, o papai Noel é uma figura mítica que permanece como lembrança na infância de todos e que se atualiza a cada Natal.
Com a psicanálise compreendemos que os conflitos e desejos de nossa infância não se perdem jamais. O que seria do adulto sem as suas crenças infantis?
O presente tem a marca da realidade num mundo de fantasias construído para organizar de forma simbólica as vivencias de conflitos e desamparos. A fantasia tem a função de organizar o mundo em que a criança vive.
Segundo Freud, a criança brinca para criar e descobrir, ou seja, brinca para poder elaborar perdas, para encenar o que ainda não compreende da sua vida, brinca para simbolizar.
Então, a criança necessita da brincadeira para apoiar sua inscrição no desejo. O brinquedo assim, se transforma em outra coisa com o investimento imaginário e simbólico que a criança consegue fazer. Através do brincar pode elaborar a distância entre a possibilidade e a insuficiência no desejo de ser grande.
Dessa forma os pais possibilitando um tempo para seu filho brincar assinalam um valor as suas produções. Então, um brinquedo cumpre a sua função quando ele é manipulado, encenado num teatro muito particular, “brincar para a criança e fantasiar para o adolescente são recursos de elaboração pelos quais o sujeito entra em contato com seus ideais e conflitos de uma forma leve e sem maiores compromissos (...) na brincadeira, está se vivendo a personagem de uma trama, é como participar de uma ficção da qual se é autor e ator, é uma fantasia vivida, mas com a possibilidade de sair da cena”¹.
Os pais perguntam aos psicólogos como fazer certo, pois a cada filho precisam recomeçar. E tudo o que já sabiam parece se modificar a cada dia. Há uma grande idealização da infância no nosso meio, mas as crianças em alguma medida conseguem suportar um adulto ocupado, que faz o que pode para tentar manter a sua atenção na criança, mas nem sempre consegue, que sente culpa logo em seguida, que procura consertar o tempo todo ás decisões atrapalhadas que toma, acreditando estar fazendo o melhor para que a criança não tenha sofrimentos. Como vemos a criança tem uma compreensão do mundo muito particular e resolve a sua maneira os impasses da vida, pois é trabalhoso crescer.
Freud nos diz que a palavra está sempre em jogo, e a criança pode nos responder através dos atos do seu brincar as perguntas que lhe fazemos. É preciso suportar um brincar descomprometido de regras, pois a criança não vive num mundo pacifico, sem conflitos, ela quer o prazer que o mistério proporciona. Por isso que o presente e as historias de Natal nunca perdem seu lugar. Os brinquedos podem ficar para trás, as brincadeiras se modificam, mas as vivencias não estarão perdidas, pois sempre retornam e dão sentido à nossa vida.
¹ Fadas no Divã Psicanálise nas historias infantis, Artmed, 2006

* T. Guberovich
Texto publicado na Revista Afinal - Blog do Gerson/ dezembro 2007

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