sábado, 26 de abril de 2008

Fadas, bruxas e madrinhas![1]

Iza Maria de Oliveira

Era uma vez uma filha dedicada e uma mãe devota. Certo dia, num momento de dúvida acerca dos mandatos maternos em relação a sua escolha amorosa, se perguntou: “Todas as mães têm razão, mesmo que em certa medida?”. Num outro território, mas numa mesma fronteira, uma pequena menina pergunta a seu pai (separado de sua mãe): “Se você casar de novo com minha mãe, ela vai ser minha madrasta?”.

Considerando que estas interrogações sugerem alguns caminhos para pensarmos acerca do lugar materno, enderecei para outras pessoas esta mesma questão da filha devota acerca da razão materna. Alguns responderam que se assim fosse, certamente não saberiam se defender ou se tornariam psicóticos (loucos). Enquanto outras afirmaram negativamente (sic!), considerando muitas mães devoradoras como, também, humanas.

Uma das pessoas verificou: “Da minha mãe ou de mim, como mãe? Pois isso depende do lugar que respondemos. De acordo com a posição, a resposta pode mudar. Como filha, acho que sim, como mãe, não. Com criança pequena, acho que sempre temos razão, mas com filho maior, não. Depende da situação. A única certeza é que a mãe é culpada sempre”.

Outra referiu: “Se é em certa medida, não significa que têm razão”. O mais problematizador de todos, enfatizou: “Esse enunciado ‘todas as mães têm razão, mesmo que em certa medida?’ é problemático, pois o contexto determina a resposta. Mesmo que o segundo enunciado queira relativizar, o primeiro é absoluto”.

Algumas das colocações acima encontramos em seres de espíritos complexos, enquanto outras em almas um pouco “macabéas”, ou seja, àquelas que respondem, sem defesas, às contradições que uma pergunta pode conter; também, responderam aqueles que, seguros de uma verdade, temem duvidar.

Contudo, as respostas sugerem uma dificuldade das mães em possibilitar às suas filhas uma outra condição que não somente a de filha/criança. Ou seja, há uma complexidade na autorização e no reconhecimento de um lugar no sexual às filhas, pois para acontecer este deslocamento de posição se faz imprescindível suportar um processo de luto. A mãe perde um lugar de idealização: de fada admirada e dona (supostamente) de toda razão, passa a ser bruxa malvada, com poções de razão amaldiçoadas; assim, entram em cena invejas, rivalidades, etc. Assim, para uma mãe suportar este processo terá de conviver com as ambivalências inerentes a ele – mais um dos seus passos em prol do seu “padecimento no paraíso”.

O filme de Almodóvar, Tudo sobre minha mãe, é convocativo nesta via de reflexão, indicando que as mães, certas e erradas, podem apresentar aos seus filhos O bonde do desejo[2]. Lugar esse em que as razões são, por vezes, incertas; onde as interdições possibilitam ao conjunto dos filhos servis, tirânicos, rebeldes e amáveis, embarcarem, viajarem pela vida, fazendo paragens e, também, prosseguir. Afinal, parece que dizer tudo sobre a mãe é a morte, assim como a absolutização da razão materna pode matar o desejo de um filho. Pois, dizer “tudo” é da ordem da impossibilidade, assim como o interessante nesta relação não está na ordem da razão, mas da transmissão amorosa. Uma transmissão onde se oscilam os lugares de fada, bruxa e madrinha (sobre isso, indico o livro, “Fadas no Divã”, de Diana e Mário Corso, editado pela Artmed). Para finalizar, uma citação destes autores, “as ajudas benignas nos contos de fadas oferecem instrumentos, jamais uma solução. A vida raramente transforma alguém em outra coisa, ela apenas brinda com alguns acasos, fatos e contextos pelos quais uma vida pode mudar seu rumo”. Que as varinhas e as poções sirvam como instrumentos promissores na vida de nossos filhos!



[1] Texto publicado no Jornal, Hora H, em 24/11/2007.

[2] Título da peça de teatro em que a mãe leva seu filho, no dia de aniversário deste, para assistir. Trata-se do clássico de Tenesse Williams (1914-1983) “A streetcar named desire”, de 1947.

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