sábado, 26 de abril de 2008

AS ESTRUTURAS FREUDIANAS DAS PSICOSES E A QUESTÃO INSTITUCIONAL

Fui entrevistada para o Informativo da Clinica de Psicologia da UNIJUI na edição de março/abril 2007

FN – Fale sobre o seu percurso na UNIJUI, e como este lhe preparou para a realização do seu trabalho. A partir disso, o que você pode dizer para os estudantes que fazem ou desejam esta formação?

Iniciei no curso de Psicologia da URI/Santo Ângelo. Após um ano, tomei conhecimento do referencial teórico do curso da Unijui para onde me transferi e me formei em 2004. Neste curso de psicologia temos um diferencial nos componentes curriculares, na formação dos professores, nas supervisões semanais, nos estágios que, por serem de um ano, nos permite passar por uma experiência singular, sustentada pela ética da psicanálise. Portanto, o curso me forneceu a base teórica/pratica para a atuação como profissional, pois a proposta do curso nos leva a sermos críticos e pesquisadores, a continuar estudando porque nosso trabalho esta em permanente construção.

FN – Como você tem dado continuidade à sua formação?

Depois da formatura dei continuidade aos estudos participando de encontros, seminários e discussões teóricas. Participo de um grupo de estudos de psicanálise em Santa Rosa, faço analise pessoal e supervisão. Alem disso, continuo meu interesse por literatura que sempre fez parte das minhas leituras. Também participo de encontros filosóficos e literários alem dos psicanalíticos, pois sabemos que a escuta clinica exige um trabalho constante sobre ela mesma e com outros saberes. Com essa formação pensamos que o lugar do psicólogo não esta dado previamente, mas deve ser construído em cada lugar onde ele for trabalhar.

FN – Quais as experiências de trabalho que lhe surgiram?

Inicialmente meu trabalho começou na Clinica Hermann em Santa Rosa, onde continuo trabalhando com atendimentos individuais. Em seguida escolhi trabalhar com Saúde Publica e surgiu uma oportunidade na cidade de Horizontina, no Centro de Atenção à Saúde Coletiva - CASC da Secretaria de Saúde. Nesta instituição trabalho na equipe de Oncologia, na Saúde mental com atendimentos individuais e coordeno o Grupo Terapêutico de Alcoolismo¹.


FN – No trabalho clinico, existiria alguma peculiaridade na escuta da(s) psicoses(s)? podemos falar em uma clinica “diferencial”?

Penso que sim, tendo a sustentação da psicanálise é possível. Neste ambiente complexo que é o trabalho institucional procuro conduzir meu trabalho tendo a ética psicanalítica como norteadora. Assim, com a transferência podemos inaugurar um espaço de escuta do sofrimento quer seja dos que buscam a instituição ou de quem cuida deles. O acolhimento e o espaço de escuta como lugar de testemunho é determinante para que possamos diferenciar estrutura de fenomenologia. Procuro assim escutar o sujeito na sua singularidade, proporcionando um espaço de fala, pois a realidade psíquica é a realidade que faz questão na clinica, levando em conta a singularidade de cada paciente, caso a caso. Neste sentido, a transferência possibilita as condições para que o trabalho possa se realizar. O diagnostico estrutural permite a compreensão da dinâmica e da função dos sintomas na subjetividade do paciente. Podemos pensar que no momento atual é preciso restituir a realização do diagnostico diferencial a partir de uma clinica que leva em conta a subjetividade.

FN – como você percebe uso de medicamentos em pacientes diagnosticados como psicóticos?

Na instituição em que trabalho todos os pacientes que recebo com o diagnostico de psicose são medicados. O encaminhamento acontece após o atendimento do medico. No trabalho institucional, há varias possibilidades de endereçamento transferencial. Proponho-me acompanhar o paciente na instituição que tem um trabalho de abordagem coletiva. Há a possibilidade de escutá-lo e escutar também quem o conduz para o atendimento. Porque muitas vezes o paciente que vem encaminhado já faz parte de outras intervenções institucionais oportunizando o encontro de diferentes discursos. Procuro não me apressar com intervenções imediatistas, mesmo nos encaminhamentos. Procuro dar espaço para que o paciente fale o quem muitas vezes, causa surpresa num primeiro momento, pois acreditam não terem muito que dizer sobre o seu sintoma. O medicamento ocupa um lugar na vida do paciente. Para alguns pacientes é a medicação que proporciona as condições de iniciar um tratamento de psicoterapia. Mas tratar do sintoma significa aborda-lo como manifestação da subjetividade, compreendendo assim podemos acolher e possibilitar seus desdobramentos. Devemos reconhecer os efeitos da medicação, mas temos que levar em conta que no existe clinica sem sujeito, esse é nosso trabalho como psicólogos.

FN – Qual o lugar da psicose no cenário contemporâneo?

No Brasil houve mudanças significativas nos últimos anos na forma de atendimento da psicose. Ate a algum tempo, era a internação por longos períodos a única alternativa possível. Na tendência atual temos a Reforma Psiquiátrica como modelo para discutir a clinica, na conquista da inclusão social, propondo um lugar de endereçamento na instituição publica. Mas podemos acreditar que a solução da internação, que muitas vezes determina a alienação do sujeito, o preconceito, a marginalização na sociedade dos cidadãos com diagnósticos de psicose, é um modelo superado mesmo? Ou ainda, o discurso das neurociências não tende a voltar a predominar por oferecer compreensões totalizantes? São questões bastante complexas que exigem um espaço amplo de discussões. Temos também as internações breves, ambulatoriais, medicamentosas e as psicoterapias. Nos CAPS encontramos as condições mais favoráveis para a especificidade da clinica das psicoses e seus impasses, alem de encontrarmos as novas praticas em saúde mental no serviço publico com o trabalho em equipe interdisciplinar como um possível lugar de acompanhamento e de endereçamento. A inserção da psicanálise junto às instituições é outro elemento importante para se construir um trabalho diferenciado. Penso ser a opção mais razoável de trabalho com a psicose: o trabalho interdisciplinar, os projetos terapêuticos pensados em equipe, a escuta de profissionais com boa formação para criar um espaço de fala sobre o sofrimento.


Texto publicado no jornal Falando Nisso da Clínica de Psicologia da UNIJUI

¹esse trabalho em Horizontina foi encerrado. Atualmente faço atendimentos na Secretaria de Saúde de Santa Rosa - FUMSSAR onde recebo encaminhamentos dos Postos de Saúde(PSF) e Ministério Público (presídio).

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